A solução dos problemas de hoje não está no leite biológico

Ao longo dos últimos 20 anos a lavoura aço-
riana fez um esforço notável na melhoria da qua-
lidade do leite; reorganizaram-se e moderniza-
ram-se as explorações, apostou-se na qualidade e
na certificação dessa mesma qualidade.
Apostou-se na Marca Açores que conseguiu
corporizar a diferenciação de leite dos Açores da
demais oferta da concorrência, pela certificação e
pela “colagem” a uma produção natural, de leite
de pastagem, que, como o próprio “selo” indica, é
certificado pela Natureza.
O leite produzido nos Açores é efectivamente
de uma qualidade superior. E o verdadeiro pro-
blema vivido hoje pelo sector reside precisamen-
te neste ponto; o leite dos Açores está a ser ven-
dido num segmento de mercado abaixo daquele
que deveria ser o seu. Está a ser vendido como
um produto de qualidade indiferenciada, de bai-
xa gama, de baixo preço.
E no entanto, quando evidenciada, a sua carac-
terística genuína de leite de pastagem é aceite pelo
consumidor como estando numa gama superior
e, por isso, com um justo preço de venda ao pú-
blico superior em 50% ao UHT indiferenciado.
A resolução deste problema está assim na
valorização comercial dessa qualidade, que terá
como consequência uma mais justa remuneração
ao produtor.
Cabe à Indústria, e só a ela, desfazer o equí-
voco comercial em que colocou o leite dos Aço-
res. Foi por opção das multinacionais a operar na
Região, e só destas, que se chegou a esta enorme
delapidação de valor. Foi por opção destas que se
têm estrangulado financeiramente os produtores
ao reflectir a baixa do preço de venda ao público
do UHT indiferenciado na remuneração duma
matéria prima de grande qualidade.
Deverá ser, por isto mesmo, esta mesma in-
dústria a investir agora na promoção deste “leite
de pastagem” com maior valor acrescentado e a
financiar a transição para a venda exclusiva deste
produto diferenciado, de qualidade superior.
Em paralelo, a consolidação deste novo
posicionamento, deverá ser conseguida com
a venda em espaços comerciais dedicados aos
Açores e aos seus produtos, nos actuais grandes
centros de venda, deixando somente os pacotes
UHT, indeferenciados, nas prateleiras comuns
da área dedicada ao leite.
No decurso de um período de 2 a 3 anos, os
Açores poder-se-ão posicionar com um novo
produto de baixa gama, produto único, o “Leite
de Pastagem”, e abandonando assim, de vez, o
leite UHT indiferenciado.
Uma alteração da estratégia dos últimos 20
anos, para a produção de leite biológico, acarreta
muitos riscos, não só ao nível da produção mas
também, e sobretudo, na sua comercialização,
pela incerteza de se ser capaz de escoar um volu-
me correspondente a 30% da produção nacional
numa gama tão alta como a do leite biológico,
com valores de venda da ordem do dobro do ac-
tual UHT indiferenciado, entre os EUR0.90 e os
EUR1.50 por cada litro.
A reconversão das lavouras para a produção de
leite biológico é morosa, podendo chegar a mais
de 2 ou 3 anos o período de transição, e encer-
ra custos acrescidos de produção e certificação,
estimados em mais de 40% relativamente aos
actuais, que poderão colocar as explorações em
situação de ainda maior dificuldade financeira.
As vacas dedicadas à produção de leite bioló-
gico deverão ser criadas livres em todo o seu ciclo
de vida, não sendo permitida qualquer medicação
alopática, suplementação ou adubação química.
O solo da pastagem deverá ser nutrido somen-
te com o esterco animal e vegetal, por meio de
compostagem e/ ou adubação verde e a nutrição
dos animais deverá ser exclusivamente feita por
meio dos vegetais produzidos nesse esterco.
A todo este processo, acresce-se a morosidade
do processo de certificação inicial e a manuten-
ção dessa mesma certificação, por meio de ins-
pecções regulares.
Uma reforma desta magnitude não pode nem
deve ser exigida aos produtores, os únicos agen-
tes da cadeia de valor da fileira do leite que não
têm nenhuma responsabilidade do problema que
advém da aposta comercial errada da indústria.
Uma transformação destas só deve ser inicia-
da depois de se ter o comprometimento de todos
e em particular da indústria, e de forma muito
cautelosa e gradual, para que não se tenha daqui
a uns anos, uma situação ainda mais difícil para
os produtores quando comparada com a que vi-
vem actualmente.
Países há em que a indústria financia ou fi-
nanciou integralmente os custos da reconversão.
A Nestlé iniciou uma transformação desta mag-
nitude no Brasil e remunerava os produtores pelo
valor do leito biológico desde o início do processo
de reconversão, quando estes ainda produziam o
leite tradicional.
O alinhamento estratégico de todos os agentes
do sector é de importância capital e poderá ser
conseguido por uma Entidade Reguladora que
pense e decida o caminho a seguir e acautele a
justa remuneração de todos, promovendo a equi-
tativa distribuição dos benefícios, em função da
proporção do peso relativo de cada um na cadeia
de valor.
A lavoura tem feito, e bem, o seu trabalho, ao
longo dos últimos 20 anos; cabe agora aos ou-
tros, indústria e Governo, fazerem também o que
lhes é devido.
Está na hora do Governo se impôr à
prepotência da indústria e fazer valer os direitos
daqueles, açorianos, que detêm a produção de
100% da matéria prima.
Está na hora do Governo exigir à indústria
que assuma os custos para reposicionar o leite
dos Açores num segmento superior do mercado.
Que se avance primeiro para a remuneração
justa do leite que hoje se produz; e se a opção fu-
tura fôr a da produção exclusiva do leite biológi-
co, que todo o processo seja feito de forma prepa-
rada, estruturada e bem pensada.
Antes de se enveredar por uma transformação
destas, terão que se medir e equacionar os riscos
que se irão correr, para que se garanta o sucesso
da reconversão da lavoura dos Açores para a pro-
dução biológica.
Não é com precipitações e de forma atabalhoada
que se podem resolver os graves problemas do
principal sector produtivo dos Açores.
A solução dos problemas de hoje não está no
leite biológico.
Zürich, 25 de Março de 2018
*Ex-Director Regional dos Transportes
Aéreos e Marítimos
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